quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Esquadrão Suicida | Por que todos amam Arlequina? 

Personagem tem origem complexa na série animada  

 

"Não acho que ela seja uma mulher forte". A afirmação de Margot Robbie sobre a Arlequina de Esquadrão Suicida toca na origem muitas vezes ignorada da personagem. A psiquiatra Harleen Quinzel é uma vítima de Coringa. Ela se transforma em Harley Quinn ao se apaixonar pelo príncipe palhaço do crime, abandonando completamente sua antiga vida para servir o seu algoz em uma versão de Gotham City para a Síndrome de Estocolmo.
Nascida em setembro de 1992, Arlequina recebeu aos poucos essa origem trágica. A personagem deveria fazer apenas uma participação em Batman: A Série Animada, dando um toque feminino a gangue do Coringa. Tudo começou quando o roteirista Paul Dini viu Arleen Sorkin, sua antiga colega de faculdade, vestida como bobo da corte em uma cena de sonho da novela Days of our Lives. Bruce Timm adaptou o visual para o desenho e Sorkin foi convidada para dublá-la no episódio "Joker's Favor". Timm, porém, relutou em trazer a personagem de volta: “Apesar de ser um programa para crianças, nós realmente queríamos fazer com que o Coringa fosse uma verdadeira ameaça para Batman, equilibrando sua natureza homicida psicopata com o estilo do palhaço. Achamos que se ele tivesse uma namorada ficaria muito humanizado”, contou o animador ao Hollywood Reporter.

 

A relação dos dois, porém, acabou sendo utilizada pela série para ampliar a vilania do Coringa, com Arlequina sendo maltratada ao mesmo tempo em que idolatrava seu pudinzinho, seguindo todas as suas ordens. “Retratamos uma relação abusiva dentro de um desenho para crianças, o que é muito estranho. Tudo foi feito de forma leve e divertida, mas havia esse subtexto sombrio”, explicou Timm.  O episódio "Harley and Ivy", exibido em janeiro de 1993, foi um ponto de virada. Ao conhecer Hera Venenosa, Arlequina passa a questionar a sua relação, sendo encorajada a se libertar, buscando a sua própria identidade. “Trabalhar para um vilão nunca é muito divertido. Por mais engraçado e carismático que o Coringa seja, o lado ruim é que ele é psicótico e mau. E mostrá-la em contraste com uma personagem feminina forte como Hera Venenosa parecia muito natural para mim”, completou Dini.

Timm e Dini continuaram a explorar Coringa e Arlequina em Mad Love, a HQ de 1993 que conta a origem de Harley Quinn. “Antes disso, ela era inteligente, tinha atitude e, de alguma forma, ele entrou na cabeça dela e a distorceu. Diz muito sobre ela e diz muito sobre como Coringa a manipula para se tornar essa capanga perfeita. Ela fez essa decisão trágica que definiu o resto da sua vida e transformamos isso em uma lição a ser aprendida. Não ame sem pensar (...) Não mude a si mesmo por outra pessoa”, justificou o roteirista. Batman: A Série Animada chega a dar um “final feliz” para Arlequina em  “Harley's Holiday", exibido em 1994, com a personagem pronta para recomeçar sua vida. Seu carisma, porém, fez com que ela fosse adotada pela cultura pop, ganhando diversas encarnações desde então. A última é a versão de Robbie, que rouba todas as cenas em que aparece em Esquadrão Suicida. 

 

O que torna Arlequina, essa mulher transformada por um relacionamento abusivo, em uma personagem tão amada e imitada (a ponto de ser a campeã de cosplays na última San Diego Comic-Con)? “Tenho amigas que continuam voltando para namorados que as traem, e você se pergunta o porquê, mas isso é real, são questões reais. As pessoas vivem e permanecem em relações abusivas. A questão aqui não foi fazer uma personagem forte, mas uma personagem real, com quem as pessoas pudessem se relacionar, porque esses personagens são humanos e têm suas falhas e cometem enganos. Em alguns aspectos eles chutam bundas, em outros eles não são legais", explicou Robbie sobre o ponto de identificação com Harley Quinn. Ou seja, Arlequina é uma mulher que, como muitas, se sacrifica por amor. Uma mulher que nem sempre escolhe os caminhos certos, mas sempre tem força para continuar em frente. Na série animada esse arco é abordado em todos os seus aspectos. No filme de David Ayer, porém, é um retrato vazio e glamourizado. 
Em Esquadrão Suicida, a criação do Coringa é melhor do que o original. Antes de ser hipnotizada pelo palhaço, a Harleen Quinzel do filme é retratada como uma tola, que leva gatinhos de pelúcia para o psicopata. A tortura de Coringa seria sua libertação, revelando uma criatura sem pudor, sem medo, capaz de sair de um helicóptero em chamas exclamando sua alegria pelo passeio. “Essa é uma das coisas que mais gosto na personagem, sempre que ela está perto do Coringa ela é super submissa, muito frágil às vezes, mas quando está longe dele é uma pessoa independente, é impressionante que ela possa ser tão codependente de um homem. (...) É como um interruptor, se ele está perto, ela muda completamente, ele meio que consome os pensamentos dela. Eu a interpreto assim, como se fosse um interruptor, quando ele está lá ela é uma coisa, quando ele não está ela é uma coisa completamente diferente”, explicou Robbie.

Tivesse seguido a versão original do roteiro (saiba mais), essa relação sadomasoquista seria melhor representada, dando consistência aos inúmeros conceitos do filme. Diferente de outras encarnações, esse Coringa parece mais interessado em Harley, sexualmente e romanticamente (apesar de deixá-la para morrer em determinado momento). O que se vê na prática, contudo, é Arlequina como um cachorrinho do vilão, respondendo a assobios, usando uma coleira e desfilando como “propriedade do Coringa”. O filme jamais questiona ou justifica essa relação e o fato de ela sonhar com um retorno à normalidade na visão de Magia - uma vida de dona de casa com dois bebês gordinhos e um “pudinzinho demaquilado” - mostra que não está tão em paz assim com a vida de vilã descontrolada. 
O que nessa descrição faz com que alguém queira assumir a identidade de uma pessoa “em pedaços por dentro”, como descreve a própria Robbie? Por que todos amam essa Arlequina mesmo assim? O mais provável é que não se pense muito a respeito, com o visual fetiche da personagem e seu jeito de criança livre falando mais alto. A Harley Quinn original tem seu apelo explicado em seu arco complexo, de uma personagem que se questiona e se redescobre. Já a do filme, apesar dos esforços de Robbie, que entrega muito mais do que o que é oferecido pelo roteiro, merece mais. Basta esperar que suas próximas aparições no universo cinematográfico da DC, que devem ser muitas, saibam aproveitar melhor o seu potencial.

 


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